Durante o período de discussão do orçamento de estado para 2015, deixei, como tenho vindo a fazer repetidamente nos últimos anos, renovados alertas ao Estado no sentido de sensibilizar para as terríveis consequências que a extinção das cláusulas de salvaguarda terá para a generalidade das famílias portuguesas. Neste período, achei até que o Executivo estaria atento e que iria recuar nesta decisão, mas infelizmente o orçamento para 2015 surpreendeu pela negativa ao destravar o limite anual de aumento do IMI para imóveis reavaliados, que agora se mantinha fixado no limite máximo de 75 euros.
Quando os sempre assustadores A4, dobrados em três e selados pelo picotado que transforma a carta num envelope, começarem a chegar a casa das famílias portuguesas, o susto que muitas delas irão apanhar será tal e tão forte que poderá ter repercussões no próprio exercício da cidadania que venha a ser assumido pelas “vítimas” do IMI.
Digo “vítimas”, sem prejuízo de considerar que todos temos de pagar impostos e que as receitas dos impostos são fundamentais para que um Estado Social funcione. Mas uma coisa é a justiça tributaria e outra – muito diferente em muitos casos – o esbulho em que certos impostos estão a transformar-se.
Não me canso de dizer que o IMI referente aos imóveis que servem de residência aos respectivos proprietários devia ser simbólico – não apenas pela circunstância de muitos desses proprietários terem sido aliciados a comprar casa própria pela generalidade dos intervenientes no processo das transações imobiliárias, mas acima de tudo pelo do Estado que em muito favoreceu este aliciamento, e que agora parece ignorar esse facto sacudindo a ‘água do capote’ perante as dificuldades que estas famílias hoje enfrentam.
O sonho de ter casa própria sempre foi um dos sonhos mais frequentes dos portugueses e isso promoveu a estratégia de muitos governos, no anos 80 e 90 do século passado, que viram neste sonho a possibilidade de diminuir gastos na construção de habitação social – facilitando a compra aos potenciais interessados, a pressão para solucionar as obrigações do Estado em matéria de habitação diminuiu brutalmente.
Depois, quando os anos de isenção de pagamento de IMI (um dos incentivos concedidos) chegam ao fim, como para muitos portugueses está a acontecer, o imposto regressa em força e com valores obtidos a partir de novas, avaliações “cegas” relativamente à conjuntura da crise, numa “recuperação” rápida, mas injusta, dos incentivos que foram dados no início para aliciar o movimento da compra de casa própria.
Prevê-se que o fisco cobre em 2015, através do IMI, mais cerca de 150 milhões do que em 2014, valor que corresponde, grosso modo, a uma subida da ordem dos 10%. Só uma pequeníssima percentagem, inferior a 1%, do universo das famílias com casa própria conseguirá, adiar a sentença deste aumento brutal – mais uma medida clara de austeridade a penalizar uma classe média já profundamente penalizada pela diminuição dos serviços que o Estado oferecia aos cidadãos e até pela remuneração auferida, nomeadamente em muitos servidores do estado, mas não só.
Talvez este problema, que afeta muitos portugueses, como se compreende quando se sabe que mais 70% das famílias portuguesas são proprietárias da casa que habitam, talvez este problema possa subir a tema de debate nas discussões que inevitavelmente marcarão este ano cheio de eleições. Discutir a fiscalidade que se incide sobre o património é um debate mais do que urgente.
Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlop.com
Publicado no dia 25 de Março de 2015 no Público