O fisco decretou o fim da iliteracia informática em Portugal, mas nem só os que têm idade igual ou superior a 65 anos, como a lei da reforma do IRS exceptua, vivem com dificuldade de acesso à internet. Tampouco é possível superar essas dificuldades num mês, como julgarão os que adiaram por trinta dias a obrigatoriedade de passar recibos do arrendamento urbano em formato electrónico.
A reforma do IRS, iniciada em 2015, consagrou, com raras excepções, a obrigatoriedade de emissão, através do Portal das Finanças, dos recibos electrónicos de quitação de renda. Os senhorios entram no portal com a respectiva palavra-passe habitual, acedem ao espaço do recibo electrónico e emitem-no, emitindo automaticamente duas vias em papel, uma para o inquilino, outra o próprio senhorio.
A obrigatoriedade de passar recibo pelos imóveis que geram rendimentos em sede de arrendamento urbano sempre existiu, Os recibos eram em papel e as declarações correspondentes, nas datas das entregas das declarações, também. Agora há a obrigatoriedade da declaração electrónica, embora o papel continue a existir pela emissão, em duplicado e em papel, do comprovativo da emissão.
Alegadamente em nome de uma simplificação para o contribuinte, estas novas imposições apenas tentam simplificar o trabalho dos profissionais do fisco e até, em alguns casos, transferir para os contribuintes tarefas que, em princípio, deviam caber exclusivamente aos profissionais do fisco, nomeadamente no que toca a certos controlos burocráticos.
Mais do que a ilusão de que todos somos internautas seguros, a exclusividade de acesso às deduções à colecta, em sede do IRS, através do e-fatura, são, como já o disse, uma armadilha que reduzirá as devoluções de imposto no próximo ano, prejudicando os contribuintes mais vulneráveis, ou seja, aqueles que não são internautas competentes.
Lembro que não basta pedir factura para assegurar direitos a benefícios de deduções no IRS previstas na lei. É preciso que os comerciantes e os prestadores de serviços as declarem ao fisco, que os profissionais do fisco as classifiquem correctamente, sendo o controlo de tudo isto – pasme-se, da responsabilidade do contribuinte que quer beneficiar de tais deduções
Na verdade, em nome da simplificação o Estado transfere para terceiros, tidos como interessados, uma obrigação de fiscalização que não lhes devia competir, exigindo-lhes capacidade de acesso à Internet e o domínio desta tecnologia, uma capacidade que na verdade escapa a um terço da população portuguesa, na sua maioria pessoas de rendimentos mais fracos.
Há nesta ilusão uma profunda injustiça fiscal, motivadora de potenciais conflitos. E não falta quem garanta que este avanço da informática aplicada ao fisco mais não é de que um expediente visando por um lado uma quebra significativa de reembolsos em sede IRS e por outro um aumento exponencial de coimas e multas, expediente que se suspeita seja utilizado em muitas outras situações.
Em nome da confiança que o Estado deve merecer por parte dos cidadãos importa rever com urgência estas legislações, quiçá apenas mal elaboradas.
Luís Lima
Presidente da CIMLOP
presidente@cimlop.com
Publicado no dia 9 de Dezembro de 2015 no Público