Mesmo descontando o facto de estarmos em ano de eleições presidenciais, nos Estados Unidos da América, não deixa de ser de assinalar que o Governo de Washington tenha alargado por mais um ano o programa de prevenção de execuções de imóveis, aprovado para evitar que as famílias percam as suas casas na sequência dos colapsos gerados pelo subprime.

Se a Troika, com as suas doutas opiniões sobre a gestão da nossa República, impusesse ao Governo Português a adoção de um programa deste tipo, talvez tivesse sido possível diminuir o número de dações de bens imóveis por falta de pagamento de empréstimos, evitando situações potencialmente perigosas pelas soluções precipitadas que muitas vezes geram.

Aqui ou além, num parágrafo de dentro de um texto, alguns articulistas, às vezes até alguns jornalistas, ousam levantar o véu nos números frios que tapam estas realidades e falam, por exemplo, em casos de insolvência de famílias, com a penhora de todos os bens de casais que avalizaram os créditos para aquisição de habitação contraídos pelos filhos, entretanto insolventes.

Já não é apenas o terrível cobrador do fraque que envergonha o devedor perante os vizinhos, jogando com o amor-próprio, em especial de uma classe, a classe média, que estará disposta a perder tudo menos a face. É o carrasco de uma sociedade a cujos “players” impuseram, num passado recente, modelos de crescimento intoxicados que venderam como bons e dentro do prazo.

A classificação tóxico para alguns produtos financeiros que se apresentavam ufanos e cheios de fermento próprio, não é minha. Foi adiantada pelo Senhor Presidente da República, reconhecido economista, que disse, quando era primeiro-ministro e numa outra crise, que na bolsa portuguesa andavam a vender muito gato por lebre.

O problema, como muitos de nós sabem, é que, a generalidade das pessoas é pouco livre e dispõe de pouca informação para detetar a toxicidade de certos produtos financeiros que se apresentavam como árvores que cresciam até ao céu ou para resistir a certos gatos travestidos de lebre. Como também o foram alguns créditos ao consumo, disfarçados de crédito para a habitação, nos prazos e juros.

São estas pessoas quem sempre fica prejudicado. São estas pessoas as identificadas por um recente estudo da Comissão Europeia onde se lê que Portugal é, entre os países europeus mais atingidos pela crise, aqueles onde as medidas de austeridade adotadas pesam mais sobre a população mais desfavorecida.

Há, por isso, alguma lucidez e ética na moratória norte-americana em defesa das famílias em risco de perder as casas que não estão a conseguir pagar. Não podem ser sempre elas a pagar todas as faturas da crise e, pior ainda, não podem ser elas as nomeadas para os Óscares de principais culpados de uma situação verdadeiramente intolerável.

Ser ou não ser, em ano de eleições pouco importa. Não é pelo facto de também ter sido utilizada na construção de armas de destruição massiva que a fusão nuclear deixará, em algum momento, de ser o enorme feito científico que constituiu a sua descoberta.

Luís Lima
Presidente da APEMIP
luis.lima@apemip.pt
 

Publicado no dia 13 de Fevereiro de 2012 no Jornal i

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