O Banco de Portugal (BdP) tem sido perentório nos alertas que tem deixado ao sector financeiro, no que diz respeito ao mercado imobiliário. Mas estes avisos, que naturalmente não ponho em causa e que fazem parte das obrigações deste órgão, sobretudo tendo em conta o nosso passado recente vêm por vezes revestidos de um certo alarmismo, que deixa no ar a ideia da existência de uma bolha imobiliária no mercado habitacional quando, na verdade, tal não corresponde à realidade.

Ainda que os preços dos imóveis tenham valorizado muito rapidamente em zonas específicas das cidades de Lisboa, do Porto e de algumas regiões no Algarve, a mesma realidade não se aplica ao resto do País, onde a valorização dos ativos tem vindo a acontecer de forma mais sustentada.

Compreendemos que dinâmica do mercado de compra e venda de casas em Portugal possa deixar o regulador preocupado, por ficar no ar a ideia de que não se aprendeu nada com os erros do passado e que os bancos estão outra vez a emprestar dinheiro para compra de casa de forma irresponsável.

Mas, apesar de nunca se terem vendido tantos alojamentos familiares como agora (pelo menos, desde que há registos oficiais), também nunca houve tantas compras de casa sem recurso a crédito. A banca financiou apenas um terço do valor total dos imóveis, como o revela o boletim económico do BdP.

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) entre junho de 2017 e junho de 2018, transacionaram-se mais de 22 mil milhões de euros em alojamentos familiares. Já de acordo com o BdP, no mesmo espaço temporal, os bancos concederam cerca de 7,4 mil milhões de euros em crédito à habitação, o que significa que o peso do crédito para a compra de casa não tem aumentado, ao contrário do que se faz sentir.

Hoje, as instituições financeiras estão mais cautelosas e a análise do perfil dos clientes é cada vez mais rigorosa, exigindo-se que tenham disponível uma entrada cuja percentagem é cada vez maior, o que revela que o risco de incumprimento é inferior ao que se registava no passado.

Só que tantas cautelas poderão ter um efeito perverso. É que, com a ausência de um mercado de arrendamento que seja alternativa aos jovens e famílias portuguesas que não reúnem as condições exigidas pelos bancos para conseguir crédito à habitação, muitas vezes acabam por recorrer a instituições financeiras onde obtém crédito pessoal, a juros muito elevados, para conseguirem reunir o valor necessário e dar entrada à compra de casa. E, aqui sim, parece-me que o risco de incumprimento deva ser bem superior.

Por isso, ao tentarmos “curar” o problema do excesso de crédito à habitação dificultando o acesso a este produto, podemos estar a gerar uma doença ainda maior, com consequências nefastas para as famílias que se vêm encurraladas e sem alternativa habitacional à vista.

As instituições financeiras devem proteger-se e devem ter um papel responsável na atribuição de crédito. Mas se colocarem ainda mais entraves no acesso dos portugueses a uma casa, quer por via da compra quer por via do arrendamento, não haverá alternativas nenhumas que garantam o cumprimento de um dos direitos básicos dos cidadãos: a habitação.

Luís Lima

Presidente da APEMIP

luislima@apemip.pt

 

 

 

 

Publicado no dia 24 de outubro no Jornal Público

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