Há um poema de Rosalia de Castro, grande nome das letras ibéricas, que atravessou grande parte do século XX até ser cantado em Portugal, nos duros anos 60 do século passado, como retrato da desertificação que nos atingiu, com particular impacto, nessa década de grandes viragens. Começa com um significativo verso, “este parte, aquele parte”, e segue num retrato que começou por ser o da Galiza do século XIX, foi adaptado ao de Portugal dos anos 60 e volta, mais de cem anos depois, a ser, entre nós, atual.

Já não podemos dizer hoje, em rigor, que quando todos se vão, como foram da Galiza oitocentista ou de Portugal novecentista, que as terras de origem ficam sem homens que possam cortar-lhe o pão, pelo simples facto da emigração, que está, de novo, a marcar a nossa sociedade, não ser agora proveniente do sector primário, como era há meio século. Nem temos hoje sector primário como tínhamos, apesar de dizermos que voltamos a apostar na Agricultura.

Há muito que muitos dos nossos campos eram campos de solidão, para aproveitar o verso de Rosalia, não exclusivamente por termos partido, tantas vezes a salto, como fomos nos anos 60 do século XX, deixando mães sem filhos, filhos sem pais e viúvas de vivos mortos para continuar a ouvir esse melancólico poema que cantou a emigração dos galegos no século XIX e a emigração dos portugueses no século XX.

A vaga de emigração dos últimos dois anos terá atingido 250 mil portugueses. São números muito semelhantes aos das vagas dos anos 60 do século XX. Há, no entanto, uma diferença muito significativa e muito preocupante. Portugal está a deixar emigrar população jovem altamente qualificada, a grande maioria com o primeiro nível universitário mas muitos já doutorados ou seja com uma formação elevadíssima e muito procurada em qualquer latitude que aposta no desenvolvimento.

São profissionais tão procurados que há empresas que organizam, em Portugal, feiras de oferta de empregos no estrangeiro para profissionais qualificados portugueses, viradas, por exemplo, para jovens profissionais e para alunos dos dois últimos anos de licenciaturas nas áreas da saúde, com relevo para a licenciatura em Medicina. Há feiras destas já agendadas para Março, pelo menos em Braga, em Coimbra no Porto e em Lisboa.

A feira a que me refiro promove a angariação destes profissionais da saúde, pelo menos duas vezes por ano e em mais de meia centena de cidades europeias, quase todas, salvo raras exceções, caracterizadas por pertencerem a países que estão a atravessar momentos de aperto ou cujo patamar de desenvolvimento é ainda relativamente modesto. As feiras já programadas para o próximo mês de Março irão decorrer na Croácia, na Itália, na Eslovénia, em Portugal e na Espanha. Em Abril, o calendário aponta para a Grécia, Bulgária e Roménia.

Se Rosalia de Castro voltasse a escrever sobre esta triste realidade de expatriar tanta gente, teria, seguramente, de dizer que já não são só os fisicamente mais fortes, os que aguentam melhor as adversidades das intempéries e dos trabalhos mais pesados. Agora partem os mais qualificados, aqueles em quem os países de origem mais investiram, para qualificar melhor os países de destino e quase sem qualquer compensação adequada para quem os deixa partir.

Luís Lima
Presidente da APEMIP e Presidente da CIMLOP – 
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
luis.lima@apemip.pt

 

Publicado no dia 04 de fevereiro de 2013 no Jornal i

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