As leituras estatísticas, apesar de muito assentes em números, podem ser muito menos rigorosas do que inicialmente possamos julgar. Dizer, por exemplo e com base em estatísticas concretas, que os cidadãos mais ricos são os que menos apostam em segundas residências mais do que um aparente paradoxo é uma leitura que não contempla condicionantes que viram o sentido desses números.
Se nos centramos na Europa Ocidental, podemos dizer que as populações dos países do Norte, tradicionalmente populações mais ricas, apostarão estatisticamente muito menos numa segunda habitação do que as populações dos países do Sul, tradicionalmente menos ricas. Os números parecem falar neste sentido mas apenas se nos cingirmos à informação básica.
Esquecendo, por exemplo, que o conceito que cada inquirido tem de habitação pode variar muito. Para países ricos e frios do Norte, uma habitação é sempre uma construção com condições de habitabilidade minimamente definidas. No Europa do Sul algumas construções antigas podem e são contabilizadas como segundas habitações mesmo não tendo aqueles mínimos que o estado da arte da construção hoje exige.
Neste contexto, o que uns chamam de segunda habitação e os técnicos das estatísticas contabilizam como tal pode ser, para outros, meras construções precárias que jamais serão consideradas habitações, mesmo que segundas. Estes diferentes olhares sobre o que é uma casa de habitação também devem entrar na leitura das estatísticas, especialmente quando elas são tão paradoxais que nos surpreendem.
Paradoxalmente, o mesmo espaço informativo que dá relevo às estatísticas das segundas habitações na Europa Ocidental e sublinha que os ricos são os que menos apostam nessa solução, revela que um conhecido jogador de futebol multimilionário está prestes a investir 37 milhões de euros numa casa de campo localizada em Gloucestershire, no sudoeste de Inglaterra, propriedade cuja mansão principal possuirá dez quartos, seis casas de banho e várias salas de estar e de jantar mas que tem ainda 13 edifícios independentes.
Estatisticamente, o número de ricos que podem comprar casas assim é insignificante, o que aliás até convém tendo em conta que não haverá muitas ofertas desta envergadura no mercado imobiliário de Gloucestershire, no sudoeste de Inglaterra, onde se localiza a referida casa de campo que está à venda pelos 37 milhões de euros.
O sonho do interessado comprador – lê-se na referida informação – é poder viver com a mulher e os quatro filhos longe da confusão de Londres, onde atualmente vivem, numa casa arrendada. Outros sonharão fugir da pacatez do campo e regressar ao centro de uma cidade, considerando que a sensação de viver perto de tudo será mais agradável do que viver na dourada mediocridade do campo, que já não será tão dourada nem tão medíocre como no tempo em que se inventou a expressão aurea mediocritas.
Também não está contemplada a ideia – justíssima – de que os senhores mais ricos do Norte da Europa não compram segundas habitações na terra deles onde quase só há as ofertas dessas segundas habitações em localizações frias. Mas a Sul, no Sol, a preços que já não julgavam existir, a vontade de acrescentar propriedades à riqueza acumulada pode mudar e mudar.
Se até há gente que mantém veleiros de luxo para só os usar durante duas semanas em cada ano…
Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlop.com
Publicado no dia 06 de Novembro de 2015 no Sol